quarta-feira, 13 de junho de 2012

A Rainha de Copas chegou ao Rio

A primeira vez que eu ouvi a expressão “bode na sala” aplicada a uma negociação internacional foi em 2002, durante a Rio+10, em Johannesburgo. O ambientalista paulista Rubens Born usou-a para ilustrar a atitude dos Estados Unidos na conferência. Os americanos tentavam armar um grande retrocesso nos chamados Princípios do Rio, um conjunto de 27 diretrizes acordadas na Eco-92 que incluíam as chamadas responsabilidades comuns, mas diferenciadas (a conta maior da preservação do planeta deve ser paga pelos ricos). Segundo Rubinho, os EUA iriam bater o pé no retrocesso até o último minuto e, quando finalmente cedessem, o não retrocesso seria comemorado no final como um grande avanço.
Em biologia evolutiva isso tem até um nome: teoria da rainha de copas, ou rainha vermelha. É uma referência à célebre frase da personagem de Lewis Carroll, que em determinado momento explica a Alice seu mundo bizarro: “Aqui a gente corre para não sair do lugar”.
Dez anos depois, a Rainha de Copas está de volta, tal e qual. Os países ricos especialmente aqueles situados entre o Rio Grande e o Lago Michigan, tornam a investir contra as responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Criativo, não?
O mundo mudou muito nestes dez anos desde Johannesburgo, e mais ainda desde a Rio-92. Como disse ontem o chanceler Antônio Patriota numa sonolenta entrevista coletiva, “a periferia virou centro”; os países que eram em 92 o rebotalho do planeta hoje dão as cartas. A China recebe ligações da França pedindo dinheiro. O Brasil empresta ao FMI. Os emergentes consomem recursos naturais a rodo, e ao passivo ambiental fica cada vez mais no ombro dos mais pobres. Por isso mesmo, o mundo desenvolvido não deixa de ter razão quando pede a revisão dos princípios do Rio para incluir os emergentes na fatura.
O lado de cá do equador, porém, acha, também com razão, que flexibilizar os princípios é abrir uma cunha para que os ricos corram do restaurante alegando indisposição e deixem TODA a conta na mão do ex-Terceiro Mundo.
Qual é a solução? Simples, comissário: meter outro bode na sala, mais gordo e mais chifrudo que o do oponente. Foi exatamente o que o G77 (bloco que congrega os países em desenvolvimento) fez. O grupo enfiou no texto de negociação da Rio +20 uma exigência para que os países desenvolvidos contribuam com US$ 30 bilhões por ano ao desenvolvimento sustentável. Os ricos obviamente estão dando risadas, especialmente na UE, onde US$ 30 bilhões por ano em dinheiro novo viriam a calhar para evitar probleminhas técnicos menores, como o fim do euro.
Esse balé de caprinos tende a se arrastar até o dia 20, quando num gesto magnânimo os grandes estadistas do mundo decidirão abrir mão de suas posições arraigadas. Os bodes sairão da sala, e os líderes mundiais comemorarão o grande avanço. Quem olhar bem para o recinto, porém, perceberá não apenas que a sala estará vazia, mas também que os bodes comeram o carpete.

Fonte: Folha on line, Claudio Angelo: repórter da sucursal de Brasília da Folha.

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